sexta-feira, 16 de julho de 2010

Imagens organizacionais da escola

A abordagem cientifica

Até aos anos 70, a escola foi tratada pelos sociólogos da educação como uma verdadeira caixa preta: de facto, eles não questionavam como ela estava organizada nem se interessavam pelos eventuais efeitos da organização escolar no próprio sucesso educativo (Burgess, 1986). A escola era vista como um dado adquirido, um fenómeno natural, e não como um construído social, como qualquer organização ou sistema de acção (Crozier e Friedberg, 1977).

O Sistema Educativo é entendido como "o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação" (nº 2 do art. 1º da Lei de Bases). Este direito, que está consagrado na Constituição, exprime-se por seu turno pela garantia de uma permanente acção formativa orientada para favorecer:

  • O desenvolvimento global da personalidade;
  • O progresso social;
  • E a democratização da sociedade.

O Sistema Educativo compreende:

· Subsistema de educação pré-escolar.

· Subsistema de ensino geral.

· Subsistema de ensino técnico-profissional.

· Subsistema de formação de professores.

· Subsistema de educação de adulto.

· Subsistema de ensino superior.

Fazendo uma análise de conteúdo da Lei de Bases do Sistema Educativo, identificamos os seguintes grandes objectivos da escola:

1) Instruir:

  • Ministrar conhecimentos;
  • Promover a formação intelectual dos alunos;

2) Educar:

  • Promover a formação integral dos alunos;
  • Fomentar nos alunos o interesse pelas manifestações culturais e promover aptidões nas áreas artísticas;
  • Desenvolver atitudes de cooperação, de participação e de intervenção cívica;
  • Promover a capacidade de trabalho individual e em grupo e desenvolver nos alunos um sentimento positivo face ao trabalho;
  • Apoiar os jovens na escolha do seu futuro profissional.

3) Intervir no meio:

  • Por acção directa da escola;
  • Por acção dos professores no meio;
  • Mediante a formação dada aos alunos.

Em conclusão, a escola, enquanto estabelecimento de educação ou de ensino, tem de ser vista como organização e instituição. Ela não se confunde com a família, a vizinhança, o bairro ou a associação de pais e de encarregados de educação. Também não se confunde com a comunidade, o Ministério da Educação ou o sindicato dos professores.

Tal como o centro de saúde, o hospital, a câmara municipal ou a empresa, a escola é, antes de mais, uma organização, isto é, uma unidade social criada e estruturada explicitamente para realizar determinados fins (por ex., educação, ensino, formação).

A família não é uma organização formal, embora seja uma unidade social, uma instituição social. O que distingue a escola da família é a existência de um aparelho de autoridade (por ex., órgãos de administração e gestão) e de um corpo de regras, normas e procedimentos (por ex., regulamento interno, projecto educativo), formalmente instituídos para atingir um certo número de objectivos, alguns dos quais podem (e devem ser) igualmente prosseguidos pela família e outras instâncias de socialização (Musgrave, 1984; Haecht, 1994; Pinto, 1995).

Mas a escola, tal como a empresa ou o hospital, não pode ser vista apenas sob o aspecto formal (o organigrama, o estatuto, a missão oficial, o regulamento, as competências dos órgãos de administração e gestão).

Enquanto organização, a escola tem sido pouco estudada. Todavia, ela pode ser vista segundo diferentes modelos sociológicos; por ex., Burgess (1986) centrou a sua atenção em três abordagens:

  • A escola como burocracia;
  • A escola como sistema aberto;
  • A escola como total instituição.

Convém, no entanto, começar por recordar que ela é, antes de mais, uma instituição e que faz parte de uma sistema de acção a que chamamos a educação (ou sistema educativo).

A abordagem interpretativa – simbólica

A Escola como Instituição

Dizer que a escola é uma instituição, tal como o centro de saúde, o hospital, os tribunais, o parlamento ou o exército, é colocarmo-nos a um nível de análise macro: é assumir que a escola desempenha, para além de funções estritamente técnicas (por ex., transmissão de conhecimentos), um papel social, económico, ideológico e político. Isso pode ser mais evidente em certas épocas e sociedades (por ex., a escola vitoriana, a escola salazarista, a escola colonial). Em qualquer dos casos, a escola não existe num vácuo «absolutamente vazio» (social, cultural, administrativo ou político).

Nessa medida, a escola articula-se com diferentes sistemas de acção que a modelam e legitimam (a começar pelo Estado, o poder legislativo, executivo e judicial, passando pelo mercado de trabalho, as empresas, a protecção social, a saúde, a ciência e a tecnologia, as associações profissionais, as associações de pais e encarregados de educação, as autarquias, outros lobbies); em suma, a escola articula-se com o sistema societal mais vasto de que faz parte (Estado e sociedade civil, incluindo a família).

Por outro lado, dizer que a escola é uma instituição significa que tem uma base jurídica e material que lhe é dada, em última análise, pelo Estado:

Como instituição, a escola é legitimado pelo poder político e pelo jogo das relações sociais que, em cada época, lhe impõem determinadas missões ou finalidades, valores, regras e normas, não obstante a autonomia relativa da relação pedagógica.

Segundo Apple (1997.17), as mais recentes investigações sobre o papel social, ideológico e económico do aparelho educativo apontariam para três actividades essenciais da escola:

· Acumulação: As escolas "assistem no processo de acumulação de capital ao proporcionar algumas das condições necessárias para recriar uma economia desigualmente responsável" (por ex., através da selecção dos alunos pelo talento);

· Legitimação: As escolas são agências de legitimação, fazem parte de uma complexa estrutura através da qual se faz a legitimação dos grupos sociais mas também a produção e reprodução das ideologias;

· Produção: Por fim, "o aparelho educativo como um todo constitui um conjunto importante de agências para a produção".

A escola tal como a conhecemos hoje (universal, gratuita, laica, de frequência obrigatória, etc.) não pode ser desligada do contexto da luta de classes que deu origem ao Estado moderno (a reforma, a ascensão económica, política e cultural da burguesia, o Séc. das Luzes, a revolução industrial).

A Escola como Organização

Quando nos referimos à escola enquanto organização estamos a colocarmo-nos num nível de análise micro, e a pensar essencialmente no seu sistema de acção interno, nos seus actores internos e nas relações que estabelecem entre si (por ex., relação administração/staff profissional, relação professor/aluno).

Por organização deverá então entender-se uma unidade social (ou agrupamento humano) "intencionalmente construída e reconstruída, a fim de atingir objectivos específicos" (Etzioni, 1980.9).

É, além disso, uma unidade definida no tempo e no espaço, possuindo normas e um aparelho de autoridade/poder.

A este nível, a escola, tal como o hospital, tem uma autonomia relativa, devido à sua historicidade e à sua especificidade.

As características básicas das organizações (Bernoux, 1985; Petit e Dubois, 2000) são classicamente definidas pela existência de:

· Uma divisão de tarefas (princípio fundador da organização e da diferença entre grupos estruturados e não estruturados);

· Uma distribuição de papéis (divisão social do trabalho);

· Um sistema de autoridade (de modo a adequar o comportamento dos membros da organização aos papéis distribuídos e à realização dos objectivos instituídos);

· Um sistema de comunicação (com o fim de pôr os indivíduos em relação uns com os outros e com o exterior);

· Um sistema de contribuição-remuneração (definindo o que cada um deve dar à organização e receber em troca).

Esta definição clássica de organização é, no entanto, simplista e redutora por não dar conta da (i) dinâmica interna nem das (ii) variáveis externas que condicionam o desenvolvimento organizacional, a inovação e a mudança ao nível das estruturas e dos processos.

Em princípio, a escola é também uma organização como tantas outras (as empresas, os partidos políticos, as associações sindicais, os tribunais, as igrejas, os hospitais, etc.).

Enquanto instituição e organização, da escola é possível, todavia, fazer uma análise comparativa em diferentes contextos históricos, e encontrar traços ou características comuns:

  • A escola como organização tem tido em cada época uma missão ou finalidade própria, manifesta ou latente, explícita ou implícita, qualquer que seja o seu sistema de financiamento ou o seu estatuto jurídico-legal (laico ou religioso, público ou privado, etc.);

· Além disso, é (cada vez mais) o local de trabalho de grupos socioprofissionais muito particulares, directamente afectos ao processo educativo (professores, pedagogos, psicólogos), ou com funções de administração e gestão;

  • Tem um sistema de poder e de autoridade, embora diferente de outras organizações, como as empresas, dada a importância e o peso do seu staff profissional, nomeadamente de há um século para cá;
  • Tem igualmente um sistema técnico e organizacional de trabalho, se bem que diferente da empresa que transforma matérias-primas em produtos acabados, já que os seus objectos de trabalho são seres humanos (crianças, adolescentes, jovens adultos);
  • Tem, por fim, uma cultura muito própria, ligada à ideologias e estratégias profissionais dos professores, não obstante o processo de racionalização da organização do trabalho educativo e de proletarização a que está hoje submetido o pessoal docente (de resto, maioritariamente do género feminino) (Apple, 1997a).

A Escola como Burocracia

Enquanto estrutura formal, à escola também pode ser aplicado o conceito weberiano de burocracia. Para Weber (1976), a burocracia representaria o tipo-ideal da racionalidade legal, caracterizada por:

  • Um alto grau de especialização;
  • Um sistema hierárquico de autoridade;
  • Regras explícitas definindo a responsabilidade de cada membro da organização, o conteúdo dos diferentes papéis e a coordenação das diferentes tarefas;
  • A exclusão das considerações de ordem pessoal nas decisões administrativas;
  • A imparcialidade no tratamento dos problemas dos profissionais e dos utentes ou clientes;
  • A selecção de especialistas e, portanto, o critério da competência técnica;
  • A existência de carreiras profissionais, etc.

No essencial, a burocracia caracterizar-se-ia, pois, pelos seguintes traços fundamentais:

  • Continuidade: Insere-se numa ordem legal que o detentor da autoridade hierárquica se limita a aplicar;
  • Predomínio do processo de comunicação escrita (papéis, despachos, dossiês, regulamentos);
  • Impessoalidade das regras, delimitando com precisão as esferas de competência, os direitos e os deveres de cada funcionário;
  • Hierarquia de funções, criando uma clara subordinação entre os diferentes níveis e sendo o acesso aos vários postos feito exclusivamente em função da qualificação, avaliada através de concurso de provas públicas;
  • Separação entre as funções de direcção, administração ou gestão e a posse dos meios de produção.

De um modo geral, pode dizer-se que o professor é cioso da sua autonomia profissional dentro da sala de aula, da porta da sala de aula para dentro. Tal como o médico dentro do seu serviço, consultório ou gabinete. Fora da sala de aula, o professor mostra-se muitas vezes indiferentes a todos os problemas que não sejam estritamente pedagógicos, tal como o médico em relação aos problemas que não sejam do foro clínico ou terapêutico. Essa indiferença é mais notória em relação aos problemas de administração e gestão, a tudo o que se relacione com as actividades-meios (v.g., contabilidade, tesouraria, orçamento, direcção de pessoal), ou seja, a tudo o que não tenha imediatamente a ver com o ensino, a actividade-fim, por excelência.

Mas a autonomia profissional na escola é, também ela, limitada. De um modo geral, os professores têm pouco controlo sobre as decisões importantes que afectam a organização e o funcionamento da escola (por ex., recursos humanos, financeiros e técnicos, política educativa). A participação dos professores no processo de decisão tende a ser limitada a:

· Interpretação da política educativa, estabelecida pela tutela (Governo/Ministério da Educação) ou pelo plano educativo aprovado pelos órgãos de administração e gestão;

· Informação e consulta;

· Execução da política ou dos planos de acção estabelecidos.

Entre outras características burocráticas da escola, poder-se-ia citar:

· O excesso de legalismo, traduzido numa panóplia (casa de armas ou troféu) de leis que a escola e os seus órgãos de administração e gestão têm de conhecer e saber aplicar;

· A uniformidade e a rigidez na tomada de decisão;

· A prevalência das regras administrativas sobre as regras pedagógicas;

· A relação formal professor/aluno;

· O elevado grau de centralização, etc.

Com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo (2001), e sob o impulso da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, emergem novas abordagens da escola como organização e passam a ser mais valorizados os contributos da sociologia para a formação dos professores e para a administração escolar.

A Escola como Burocracia

- Característica geral;

- Fundamentação teórica;

- Características burocráticas da escola.

Taylor – Maior necessidade de dar uma maior produtividade ao tecido empresarial - transpostas estas ideias para a escola. Imagem empresarial/fabril da escola ainda hoje visível. O modelo foi feito exteriormente à escola.

Características Gerais

- Centralização das decisões nos órgãos de cúpula dos ministérios da educação, traduzido na ausência de autonomia das escolas e no desenvolvimento de cadeias administrativas hierárquicas (centralismo do poder - ministério da educação e falta de autonomia das escolas na tomada de decisões);

- Regulamentação pormenorizada de todas as actividades a partir de uma rigorosa e compartimentada divisão do trabalho (tudo tem normas, tudo é regulamentado, tudo é previsto);

- Previsibilidade do funcionamento com base numa planificação minuciosa da organização (as coisas podem-se prever, em termos de futuro, acreditando que as coisas vão decorrer de certa maneira, sem alterações ou com poucas alterações);

- Formalização, hierarquização e centralização da estrutura organizacional dos estabelecimentos de ensino (modelo piramidal); a liderança que alguém pode fazer na prática, está escrita no papel - liderança formal (legislada, formalizada por alguém), a burocracia autoriza a liderança formal;

- Obsessão pelos documentos escritos (duplicação, certificação, arquivomania); (só obedece a documentos escritos) importância da legislação para a tomada de decisões, pormenores de certificação, inventário das escolas;

- Actuação rotineira (comportamentos estandardizados) com base no cumprimento de normas escritas e estáveis (os próprios professores estão contidos na rotina - a mudança de manuais não é feita por decisão dos professores);

- Uniformidade e impessoalidade nas relações humanas (não há excepções nos atendimentos e há austeridade dos funcionários);

- Pedagogia uniforme: a mesma organização pedagógica, os mesmos conteúdos disciplinares, as mesmas metodologias para todas as situações;

- Concepção burocrática da função docente (os directores de turma têm essencialmente uma função burocrática);

Fundamentação Teórica

Max Weber: O modelo burocrático deve ser o modelo das organizações modernas/sociedades modernas.

Há três formas de autoridade que correspondem a três formas de sociedade:

Sociedade/Autoridade

Autoridade Tradicional: por costume (reis - filho mais velho) hoje em dia não se deve aplicar ao estado;

Autoridade Carismática: características especificas de um líder, partidos políticos;

Autoridade Legal/Racional: o grande suporte da burocracia são as normas/as leis, verdadeira autoridade para Weber.

A Escola como Burocracia Profissional

O conceito de burocracia profissional (Mintzberg, 1975, cit. por Graça, 1992a; Mintzberg, 1996) é porventura mais apropriado para entender as diferenças da escola em relação a outras organizações, como a empresa de produção, a administração pública ou as forças armadas, que estão mais próximas do modelo weberiano ou do taylorismo-fordismo. Embora estas últimas recorram (ou possam recorrer) à colaboração de especialistas, são fundamentalmente organizações não-especializadas.

Freidson (1984), tomando como paradigma a medicina, faz a distinção entre uma profissão e uma simples ocupação, ofício ou métier. Seriam atributos de uma profissão (Graça, 1992a):

  • A existência de um corpo sistemático de conceitos, teorias, métodos e técnicas que ajuda o profissional a compreender a sua própria prática (autonomia técnica);
  • O poder de auto-regulamentação (ou jurisdicional) da profissão;
  • O controlo dos profissionais uns sobre os outros (os pares);
  • A existência de um código de ética ou de deontologia;
  • A existência de uma identidade profissional;
  • O princípio da hierarquia do saber.

A abordagem critica ou politica – A escola reprodutora

Dentre outras instituições de disciplinamento social, a escola é a que no momento mais nos interessa. Ou antes, nos interessa então o uso que se faz da escola, como uma instituição de Estado que é, e conforme um propósito de se ‘formar’ as pessoas, que têm de submeter-se à ela. Ou antes ainda, como esse uso se justifica: pelos discursos educacionais que defendem a escola, afirmando que nela se transmite não só bons modelos de conhecimento, mas também bons modelos de comportamento, e para os quais o disciplinamento escolar constitui o eixo necessário à formação do sujeito.

No quadro de funções da escola, deve ser acrescentado o saber comportar-se ao saber fazer. A escola tem uma função disciplinadora, pois é onde as crianças e jovens devem bem aprender o respeito pelos adultos, pelos patrões, pelos chefes de Estado e, é claro, pelo capitalismo e pelas classes sociais nele dominantes. Como escreveu Luckesi, em sua Filosofia da Educação, “o termo ‘formação’, muito utilizado para definir os fins da actividade escolar, expressa bem o papel de reprodutora do sistema que desempenha a escola. ‘Formar’ quer dizer ‘dar forma a’, padronizar segundo modelos” – (Luckesi, 1994, p. 41).

A educação em geral, por si só, será sempre ‘reprodutora’, pois sempre reproduz algo. O seu problema maior não reside nessa necessidade da reprodução cultural, mas sim naquilo que há por se reproduzir. A escola transmite as ideologias dominantes; é, assim, ‘reprodutora’ do disciplinamento capitalista. É antiga essa constatação da importância da educação para a manutenção de uma estrutura social.

Marx afirmou que “se uma formação social não reproduz as suas condições de produção ao mesmo tempo que produz, não conseguirá sobreviver um ano que seja” – (cf. Luckesi, 1994, p. 51).

Está na ‘essência’ da educação o bom cumprimento dos deveres e o não questionar sobre o que fazer. É a nossa herança Iluminista: “Pensai o que quiserdes, contanto que obedeças”. Não está em nossa Lei de Directrizes e Bases da Educação que a escola deve formar cidadãos? Que é ser cidadão senão ser um bom cumpridor de deveres, ser obediente aos patrões e aos aparelhos ideológicos de Estado, pagar suas contas e impostos sempre em dia, e acima de tudo, ter respeito pela pátria, com o seu sistema capitalista e as suas injustiças sociais?

Esta nossa actual educação serve ao capitalismo, reproduz seu sistema, seus meios e relações de produção. É impossível que a produção seja mantida sem que se reproduzam seus meios materiais, que garantam a manutenção ou o incremento da produção, assim como tornam necessária a reprodução cultural na sociedade, papel actualmente desempenhado pela escola.

Seria impossível a continuidade da produção sem a reprodução das condições técnicas e materiais (máquinas, equipamentos, recursos) da produção. No entanto, essa reprodução e a sua produção correspondente só se tornam possíveis com um outro elemento fundamental do sistema de produção, objecto mesmo do disciplinamento social educacional: a força de trabalho do proletariado.

A força de trabalho é pois, de duas maneiras, entregue ao sistema produtivo. É entregue pelas forças biológicas, onde a prole é a reprodução do pai. Os operários que, por qualquer motivo, deixam de produzir, precisam ser substituídos por novas forças de trabalho (sua prole). No entanto, do ponto de vista cultural, a força de trabalho deve ser competente; torna-se assim necessária a formação do profissional, segundo os diversos níveis e necessidades da divisão social do trabalho.

A formação profissional e a reprodução cultural da força de trabalho foram socialmente delegadas a uma instituição em particular: a escola, que desta maneira tornou-se o instrumento principal para a reprodução capitalista. Aprende-se então, nas escolas, uns ditos saberes práticos:

“É pela aprendizagem de alguns saberes contidos na inculcação maciça da ideologia da classe dominante que, em grande parte, são reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, ou seja, as relações entre exploradores e explorados, e entre explorados e exploradores. Os mecanismos que produzem esse resultado vital para o regime capitalista são naturalmente encobertos e dissimulados por uma ideologia da Escola universalmente aceita, que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante.”

– (Althusser, 2001, p. 80.)

Trocando as palavras, o que Althusser quer dizer é que a reprodução da força de trabalho exige não só uma reprodução da qualificação desta, como também uma reprodução da ideologia dominante, para o proletário, e uma reprodução de como manejar a ideologia dominante, para que os agentes da exploração e da repressão, os agentes da burguesia (por exemplo: os professores), eles possam assegurar, por meio de sua autoridade e de seus discursos, a dominação imposta pelas classes dominantes, através de elementos difundidos em todos os sistemas da estrutura social.

Os aparelhos ideológicos de Estado são esses elementos, que se mantém a serviço da sociedade e de seus sistemas; podemos citar vários aparelhos, como os religiosos, os escolares, os familiares, os jurídicos, os sindicais, os da informação, os culturais, entre muitos outros. O Estado, com seus aparelhos, é um factor fundamental de manutenção e reprodução da estrutura da sociedade; ele cria assim os mecanismos que perpetuam o sistema.

A escola e outras instituições culturais, como a igreja, a família... ou mecanismos estatais como o exército, não ensinam somente os ‘saberes’ ditos práticos, mas transmitem modelos, numa tentativa de garantir a sujeição à ideologia dominante, como diria Althusser, ou como bem manejar esta sujeição.

É nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que é assegurada a reprodução da força de trabalho do proletariado. A educação legitima os interesses das classes dominantes, reproduz seus valores através da escola, que encarrega-se de transmitir conhecimentos que ‘devem’ ser tomados como verdades fundamentais, que devem ser assimilados pelos educandos e representados pelos professores.

A escola age por valores e procura aperfeiçoar o sistema dentro do qual está inserida e ao qual serve; é a sociedade que institui a escola e não o inverso, a escola é um instrumento de reprodução e, por isso mesmo, manutenção do sistema vigente. E aqueles que protestarem contra isso serão rapidamente reprimidos e silenciados, quando não mesmo aquele protesto já não estava condicionado por um sistema, sendo também algo que era até mesmo previsto e aguardado.

E é também o grau de escolaridade de cada um que lhe define o papel a ser ocupado na divisão social do trabalho, algo que é promovido também pela herança cultural, e não apenas pelas diferenças sociais. Os educandos provenientes das classes ‘mais altas’ geralmente têm mais facilidade de comunicação e uma certa intimidade com a cultura (pois teriam um acesso mais fácil a livros, ao cinema, ao teatro e a outros difusores culturais). Isso lhes dá um repertório que os estimularia aos estudos e a atividades críticas dentro da cultura escolar. Enquanto isso, os educandos das classes ‘mais baixas’, devido a diversos fatores, como o financeiro (já que muitos têm que trabalhar desde muito cedo, sendo assim mais difícil o seu acesso aos meios culturais), apresentam dificuldades em se expressar, pois muitos se deixam intimidar pela divergência de recursos, e dificilmente poderão acompanhar os seus estudos adequadamente.

Os educandos das classes menos privilegiadas, além de terem a sua cultura desclassificada, são obrigados a assimilar uma outra cultura – já que a cultura que lhes é oferecida pela escola é apenas uma cultura das próprias classes dominantes (as mais privilegiadas) – e devem considerá-la como se fosse a única legítima.

Isso tudo aparece como uma espécie de imposição que ocorre em diferentes processos. Essa imposição é facilmente observada nos materiais didácticos, sendo professor o sujeito/agente principal desta forma de Poder: condicionado pelas ideologias dominantes, controlado pela coordenação pedagógica, pelos directores das escolas, pelos pais de alunos e, é claro, pelos próprios alunos.

Se prestarmos atenção nos livros didácticos, seremos capazes de perceber a homogeneidade das informações ali contidas (existem livros que trazem os mesmos textos, e são muitas vezes acríticos); quase todos os livros trazem os mesmos conceitos, fábulas e figuras que ilustram sempre as coisas como o sistema capitalista ‘pensa’ que elas deveriam ser, e não se preocupam com a realidade dos educandos.

Praticamente, só vemos ilustrações de índios e negros em figuras relacionadas com a escravidão e com o passado, como se eles não fossem, hoje, reais. Trazem-nos como uma figura de humilhação e humildade: é como eles deveriam ser, como o capitalismo ‘queria’ que eles fossem – ‘humildes ante sua condição inferior na sociedade’, ou melhor, como a nossa cultura diz que eles deveriam ser. As ilustrações que trazem a família são geralmente de famílias felizes: longe do abuso sexual, da violência familiar, da dependência de drogas, dos problemas financeiros... e são frequentemente famílias de brancos, e com olhos claros... As mulheres são quase sempre relacionadas com o trabalho doméstico e a servidão. As mães são sempre o refúgio para qualquer problema. As ruas são sempre más. O vilão é frequentemente negro e pobre. O homossexual desaparece. Aliás, o sexo também: só vale para a reprodução.

Essas fábulas são uma maneira gentil de se dizer que qualquer curiosidade, criatividade e transformações serão mal vindas. Assim, a educação não pode trabalhar com a realidade social dos educandos das classes ‘baixas’. Os educandos se enchem de culpa, vergonha e medo, tornando-se frágeis, dóceis e socialmente produtivos, ou marginalmente agressivos. Seja como for, qualquer potencialidade efectivamente subversiva seria castrada, para o bom funcionamento da socialização, nesta ‘sociedade’ imposta pelo sistema educacional.


Fonte: internet

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